Vem sendo muito frequente sermos " bombardeados " com a comparação dos indicadores de
progresso social em Portugal, nos mais variados aspectos, desde 1974 até ao presente .
A verdade, porém, é que a comparação padece de óbvia desonestidade mental - é que se
baseia numa visão imobilista do regime autoritário que foi derrubado, só parecendo haver
evoluções positivas a partir de 25 de Abril de 1974 .
Ou seja : quando se comparam os índices que se verificavam em 1974 com os actuais considera-
se que o regime autoritário vigente na primeira dessas datas teria uma incapacidade absoluta
para fazer evoluir esses índices ( em maior ou menor dimensão ) se porventura se tivesse
mantido no poder .
Comparam-se assim os indicadores de 1974 com os de 2011 como se nestes últimos 37 anos
qualquer evolução apenas fosse possível na vigência do regime democrático .
Era tempo de corrigir essa demagogia e essa desonestidade intelectual .
Só seria séria e transparente uma comparação que, tendo em conta a evolução média dos
indicadores entre 1937 e 1974, extrapolasse essa evolução para o período de 1974 a 2011 e,
subsequentemente, apenas atribuisse ao regime democrático a melhoria ocorrida para além
da correcção por essa forma introduzida nos índices .
Custará assim tanto inserir seriedade na análise dos nossos indicadores de progresso social ?
Na última semana revisitei, por imperativo da participação numa tertúlia de leitura comemorativa
do Dia Mundial do Livro, a poesia de Miguel Torga .
Fi-lo com o prazer e a admiração de sempre .
Como todos sabemos Torga, um eremita misantropo, era um crítico acerbo do regime autoritário
então vigente .
Entre os seus poemas encontramos dois, escritos em 1960 e em 1961, que constituem um feroz
libelo ao Estado Novo .
Só que Torga era um homem de esquerda que pensava pela sua cabeça, de uma honetidade
intelectual sem mácula e não um seguidista acéfalo .
É por isso que estou firmemente convicto de que, se Torga tivesse nascido cinquenta anos mais
tarde, estaria hoje a escrever esses mesmos poemas, sem lhes alterar uma vírgula, embora com
o coração dorido e com lágrimas nos olhos .
São estes os poemas em causa :
REGRESSO
( poema de 13 de Junho de 1960 )
Pátria magra - meu corpo figurado ...
Meu pobre Portugal de pele e osso !
Nada na tua imagem se alterou :
A casca e o caroço
Dum sonho que mirrou ...
COMUNICADO
( poema de 18 de Abril de 1961 )
Na frente ocidental nada de novo .
O povo
Continua a resistir .
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair .
Ora digam lá se não acham que estes dois poemas podiam ter sido escritos há dois ou três dias
ou na semana passada ?
As qualidades por mim atribuídas ao dr. Fernando Nobre em virtude de reconhecer os seus erros
- prática tão invulgar nos políticos portugueses - são a nobreza e a hombridade .
É que realmente a " ombridade " nem com o Novo Aborto Ortográfico teria sentido ...
É verdade que a entrevista do dr. Fernando Nobre ao Expresso não pode deixar de ser considerada
pouco brilhante e contendo erros primários : os da desvalorização do papel de deputado na Assembleia
da República e do condicionamento apriorístico da vontade dos eleitores, se limitassem a dimensão do
resultado no PSD .
Mas claro, o Gabinete de Informação e Propaganda socrático ( perante a performance do qual, se ainda
fosse vivo, Gobbels não seria mais do que um mero aprendiz de feiticeiro ) colocou de imediato em
funcionamento a sua " máquina trituradora ", desviando assim as atenções das mazelas próprias, bem
mais graves e permanentes .
Eis, porém, que o impensável no âmbito da política portuguesa aconteceu : o dr. Fernando Nobre teve a
ombridade de reconhecer que não tinha sido feliz na referida entrevista e - nobreza extrema - declarou
que efectivamente tinha proferido as declarações que lhe foram atribuídas .
Não se refugiou, como é praxe da paróquia, nas desculpas esfarrapadas de ter sido mal interpretado ou
de ter visto as suas declarações retiradas do contexto de forma abusiva .
Nada disso, apenas que não tinha sido feliz nas ideias expendidas, que as lamentava e que vinha corrigi-las .
Não há dúvida : o dr. Fernando Nobre realmente não é político ( pelo menos político português ) pois tem a
nobreza e a ombridade de reconhecer os erros em vez de os endossar permanentemente aos outros .
Ultimamente vemos repetirem-se afirmações de figuras da magistratura ( desde o lamentável
Presidente do STJ ao Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa ) defendendo a criação
do defensor público .
Desta vez - a excepção que confirma a regra ... - o Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados
teceu lúcidos comentários a propósito do assunto, colocando o dedo na ferida .
Tenho por dispensável repetir esses válidos argumentos .
Assinalo apenas que parece óbvio pretender a magistratura instalar-se comodamente, de forma
risonha e franca, deixando de sentir os inconvenientes de terçar armas com os advogados, essa
" fauna " que, ainda hoje, procura ser uma " ilha " de liberdade e de independência na floresta
de enganos do Direito em Portugal .
Que cómodo seria para os magistrados contar com defensores cordatos, submissos, veneradores
e obrigados, em vez de advogados lutadores, abnegados e independentes !
É por isso que repudiamos vitórias da magistratura por falta de comparência .
O FMI chegou mais uma vez a Portugal, para realizar o trabalho que os políticos portugueses
de novo se mostram incapazes de fazer ( ou se mostam, por cobardia, desejosos de não
realizar ) .
A receita é conhecida, embora seja de esperar que possa concretizar-se de uma forma menos
gravosa para os mais desfavorecidos e mais dirigida para o combate ao despesismo descontrolado
e à gulodice insaciável do Estado e dos inúmeros boys sentados à mesa do orçamento .
Só que o desenrolar é infelizmente bem conhecido e tem antecedentes que não auguram nada
de bom .
FMI chegado em 2011 garante austeridade e controlo este ano e também nos dois anos seguintes .
Só que em 2014 todos começarão a pensar nas eleições que terão lugar no ano imediato .
E aí os nossos políticos de meia tigela, orientados pela execrável metodologia da " caça ao voto ",
reiniciarão a abertura dos cordões à bolsa, dando cabo num ápice do saneamento entretanto
realizado nas finanças públicas .
E depois, mais ano menos ano, voltaremos a estar na mesma situação .
Na mesma não, antes pior, pois termos hipotecado os poucos átomos de credibilidade que, em
alguns países mais optimistas e crédulos dentro da UE ( e já serão muito poucos ... ), Portugal
ainda mantinha .
O desmanchar da feira após a consumação da vitória do FCP em casa do seu principal rival
teve muito de lamentável mas nem um átomo de inesperado .
De um povo primitivo, caceteiro e tribal não era, infelizmente, de esperar outra coisa .
Aliás se, com os mesmos intervenientes e em estádio ao contrário, o visitante festejasse a
vitória final, presumo que os acontecimentos não se desenrolariam de modo muito diferente .
Depois de uma noite longa já sabemos o que espera nesta segunda-feira o Portugal
moribundo - não serão por certo taxas de absentismo zero nem produtividades a pedir
meças aos melhores números da UE .
Jose Luiz Rodriguez Zapatero anunciou hoje que não se recandidatará à presidência do Governo
Espanhol nas eleições gerais de 2012 .
Com essa decisão o político espanhol, extremamente desgastado pelo ( mau ) exercício do poder
e consciente da hecatombe que provocaria ao PSOE se terçasse armas com Mariano Rajoy do PP
na próxima pugna eleitoral, tenta num patético esforço insuflar oxigénio no seu agonizante partido .
Isto em Espanha, aqui ao lado .
Em Portugal, em contrapartida, o PS caminha feliz para o abismo .
Num partido chocantemente domesticado o ainda primeiro ministro teima em submeter-se ao sufrágio,
esperando - optimismo exacerbado ou inconsciência sem limites - conseguir o aval do povo português
para proseguir na sua saga de falsidades e de destruição de Portugal .
Só que o Harakiri estará no final deste caminho sem retorno .