Tive recntemente conhecimento do falecimento de um colega que tinha procurado ajuda para debelar
os seus males de saúde .
Referiram-lhe então que corria grande perigo e ser o custo da operação ( que devia ser realizada a
curto prazo ) de 50.000,00€ .
Esse meu antigo colega retorquiu que não podia dispor de imediato dessa importância - propôs efectuar
uma entrega inicial de valor significativo e acordar o número de prestações subsequentes e o montante
de cada uma delas .
Deparou, contudo, com uma posição inflexível e de absoluta insensibilidade : a recusa de outra forma de
pagamento que não fosse a liquidação imediata da totalidade .
Esse meu antigo colega acabou por falecer sem ser operado .
Ao saber do sucedido e das circunstâncias do caso não pude deixar de recordar a escola médica que, no
século V a.C., floresceu na ilha de Kós, sob a inspiração de Hipócrates .
A escola hipocrática, entre outros aspectos igualmente relevantes, deu um sentido de dignidade à profissão
médica, estabelecendo as normas éticas dos clínicos, quer no plano profissional quer no plano pessoal .
Subsequentemente, em vários manuscritos, foam surgindo fórmulas que traduziam essas regras de conduta,
até que, em 1948, foi elaborada a Declaração de Genebra da Associação Médica Mundial, utilizada em vários
países quando da recepção de novos médicos no seio da respectiva Ordem .
A versão clássica em língua portuguesa do Juramento de Hipócrates é a seguinte :
" Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a serviço da humanidade .
Darei como reconhecimento a meus mestres, meu respeito e minha gratidão .
Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade .
A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação.
Respeitarei os segredos a mim confiados .
Manterei, a todo o custo, no máximo possível, a honra e a tradição da profissão médica .
Meus colegas serão meus irmãos .
Não permitirei que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias ou sociais intervenham entre meu
dever e meus pacientes .
Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção .
Mesmo sob ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza .
Faço estas promessas, solene e livremente, pela minha própria honra . "
Relendo hoje em dia essa versão, depois de passadas várias dezenas de anos, tenho consciência de que
o decurso inexorável do tempo justificou actualizações no texto do Juramento . Mas, sentindo-me muito
chocado pela insensibilidade manifestada face ao drama humano do meu antigo colega, dou comigo a
pensar que a próxima ( e lamentável ) actualização a efectuar no Juramento - atento o modo de agir de
alguns - será no próprio título, por se tornar mais conforme à realidade o de
Juramento de Hipócritas .
Nos anos do regime autoritário este era acusado de se encontrar isolado no mundo, por incapaz de
se adaptar aos novos ventos da história .
Tal acusação era também veiculada pelos opositores internos, que hoje se vê como estariam desejosos
de implantar algo de semelhante ao regabofe actual, com as consequências que estão à vista de todos .
Surgiu então a expressão " orgulhosamente sós ", para exprimir a teimosa resistência às " modas " que
estavam a começar a ser seguidas no nosso planeta .
Só que as dificuldades surgidas em consequência do ostracismo ( ou, pior ainda, das fortes críticas ) de
importantes países tiveram um inesperado resultado : o povo português cerrou fileiras, fez das fraquezas
forças e continuou a progredir, lenta mas seguramente, superando os obstáculos .
Depois ... veio a adesão às tais " modas " .
Foi a descolonização " exemplarmente " rápida; foi o crescimento desmesurado das " clientelas " à mesa
do orçamento ( a nova " manjedoura " ); foi a chocante subalternização do interesse nacional aos interesses
particulares e partidários; foi o empalidecimento do sentido de Serviço Público; foi a delapidação intensa e
sem critério da riqueza que tinha sido amealhada; foi a apologia e a prática da lei do menor esforço .
E assim, passo a passo, fomos caminhando, de forma inexorável mas alegremente, para o abismo .
Não foi necessário muito tempo para chegarmos ao fim da jornada .
Agora, pobres e desaprendidos da luta e do esforço indispensáveis para progredir, mendigamos ajuda . Ajuda
que, afinal, não merecemos, que, apesar disso, nos está a ser concedida, mas que temos de pagar com
língua de palmo .
E, ao começar a pagá-la, estamos a deixar de ser nós, dependentes e quiçá mesmo escravos de novos donos .
Portugal, Nação com quase novecentos anos de história, está a perder de novo a sua independência . Com a
agravante de que, nos tempos de hoje, nem meia dúzia de conjurados conseguiríamos recrutar, quanto mais
quarenta .
Como estaríamos bem melhor orgulhosamente sós do que tão mal acompanhados !
O Jornal de Notícias de 30 de Janeiro pº pº difundiu, em grandes parangonas, que há dois milhões
de utentes fantasma nos Centros de Saúde, uma vez que são doze milhões os aí inscritos .
Logo o Bastonário da Ordem dos Médicos (sempre muito preocupado com a saúde dos portugueses ...)
veio garantir que com limpeza de listas ninguém ficaria sem médico .
Tal "teatro" é perfeitamente dispensável, tanto mais que pode implementar-se uma medida imediata,
aliás com dupla vantagem :
a) resolver o assunto, antes mesmo da limpeza dos ficheiros ;
b) aumentar, ainda que em pequena escala, a reduzida produtividade da maioria dos médicos do SNS
( como Manuel Antunes há muito poucos ! ) .
Essa medida, dado se estimarem os utentes fantasma em cerca de 20% do total dos inscritos, consistiria
em aumentar na mesma percentagem o número de utentes afectos a cada médico de família .
Terminada que fosse a limpeza dos ficheiros reajustar-se-ia em definitivo o número de utentes afecto a
cada clínico .
Espero que o Ministério da Saúde possa ponderar a adopção desta medida, se é que não o estará a fazer já .
Todos conhecemos José Mourinho .
É, muito provavelmente, o treinador de futebol mais competente em actividade; é também, muito
provavelmente, o mais narcisista deles todos .
É metódico, estudioso, organizado, perfeccionista, exigente, dominador .
Pensa, com profundidade e visão, a médio e a longo prazo .
Assume em plenitude e sem sofismas os seus actos . Não enjeita responsabilidades e jamais as transfere
para outrém . Mas, em conformidade, não abdica nunca das suas competências e "cilindra" quem lhas
tente limitar ou condicionar .
É tendo em conta o quadro mental em que se move que se deve interpretar a sua recente frase, reagindo
aos assobios de alguns adeptos do Real Madrid no Santiago Bernabéu :
" Um dia respondo-lhes e aí eles ficam tristes " .
Para mim o cenário é previsível .
Mourinho está bem lançado para alcançar aquilo que o Real Madrid há vários anos não consegue, vergado
por um Barcelona que não lhe tem dado hipóteses - a vitória no campeonato espanhol .
Caso a venha a conseguir, completará a frase que já transcrevi, "despedindo-se" do Real e ficando a ver,
no seu novo desafio em Inglaterra, se o seu sucessor não fará com que lamentem amargamente a sua
partida .