Fui ontem acompanhar o Fernando Guerreiro à sua última morada terrena .
O Frernando era uma figura incontornável da Cultura de Setúbal : actor, encenador, animador
cultural, poeta . Mas extravasava e muito a cultura desta região, para mim em especial na sua
qualidade de declamador - uma voz sonora e colocada, de imensas "nuances", feita de êxtases
e de quebrantos, enriquecedora dos poemas que dizia com um profissionalismo que o colocou
no pódio dos grandes declamadores portugueses da actualidade .
Admirava-o, honrava-me ser seu amigo e fiquei a dever-lhe muito .
Depois do lançamento do meu primeiro livro de poemas ( "Melodia Interrompida" ) em Setúbal
e em Lisboa, a Oficina de Poesia da Universidade Senior de Setúbal convidou-me para uma
Tertúlia Literária à volta do meu livro, a qual teve lugar no Clube Setubalense .
Procurei então o Fernando e perguntei-lhe se teria possibilidade de participar na tertúlia,
declamando alguns dos meus poemas .
O Fernando, como fazia sempre pois só sabia dizer que sim, disponibilizou-se de imediato .
E, ao declamar alguns dos meus poemas, foi o Fernando de sempre, de tal modo que, no final
de um deles eu disse para mim baixinho : Carlos, mas este poema é teu ?!
Mais tarde, quando do 1º Concurso de Poesia da Casa dos Professores de Setúbal, o Fernando
demonstrou mais uma vez a sua arte de dizer, ao declamar os três poemas premiados, entre
eles ( 1º prémio ) o meu poema "Renascer", mais tarde integrado no meu segundo livro de
poesia ( "Um Audível Silêncio" ) .
Era assim o Fernando . Melhor dizendo - é assim o Fernando . Pois de certeza, no "assento
etéreo" ao qual agora subiu, por certo já estará a ter o protagonismo que a sua craveira,
profissional e humana, justifica .
Se Deus, na sua infinita misericórdia e quando assim o entender, me vier a permitir o acesso ao
mesmo local, procurarei de imediato o Fernando e não estranharei se porventura o encontrar em
amena cavaqueira com o João Villaret ...
Adeus, Fernando ! Até qualquer dia .
A precariedade nas relações laborais atingiu nos tempos actuais uma dimensão chocante, até
maior do que aquela que se verificava nos últimos anos do regime autoritário que foi derrubado
no 25/4 .
Os recibos verdes proliferam de um modo brutal, mantendo os trabalhadores com uma permanente
"espada de Dâmocles" sobre si, com a consequente menorização da sua capacidade reivindicativa,
mesmo que manifestada só face às ilegalidades e às injustiças de que sejam vítimas .
Infelizmente não podemos dizer que os políticos se encontrem na mesma situação . E não o estão
em virtude de se autoprotegerem de uma forma escandalosa, assegurando um MONOPÓLIO na
assembleia da república ( intencionalmente em minúsculas ... ) .
Enquanto não for possível à sociedade civil ( tal como já sucede no poder autárquico ) ter acesso,
em igualdade de condições com os partidos políticos, às eleições legislativas, o escândalo não
deixará de permanecer .
E se - o que é altamente improvável - os deputados ( e os partidos que os arrebanham ) viessem a
ter um pingo de vergonha revendo um regime constitucional elitista e fechado, então sim estariamos
perante uma situação na qual os eleitores, considerando que os deputados se encontrariam
"contratados a recibos verdes", teriam facilidade em "refrescar" profundamente o panorama político,
ao invés da actual situação em que apenas mudam as moscas .
Só que moscas que todos sabemos serem iguais - nem melhores nem piores _ do que as anteriores .
O "recibo verde", a ter lugar a revisão constitucional que cada vez se revela mais imperiosa, seria
então o VOTO .
Recebi recentemente de um antigo condiscípulo de Coimbra que se encontra radicado no Brasil
um lúcido comentário a propósito das actuais convulsões em que vive o mundo :
" Perante o que está acontecendo em todo o Oriente Médio e grande parte da África muçulmana,
agora com a carnificina em curso no Egipto, chegou a hora de exigir : impeachment para Allah,
por sua incompetência ! "
A minha primeira reacção foi de concordância absoluta, mas depois, pensando melhor, introduzi
uma "nuance" na posição definitiva .
São sobejamente conhecidos os princípios e os fundamentos do Islão, religião abraâmica monoteista
articulada pelo Corão e que é a segunda mais difundida no mundo, com incidência primordial na
Indonésia, no sul da Ásia, no Médio Oriente, na Ásia Central, no Sudeste Asiático e na África Subsariana,
para além de se encontrar em perigosa penetração em muitos outros países que se conservam
distraídos como a França .
Um pilar essencial dessa religião é a Sharia ( lei islâmica ), conjunto de normativos fossilizados no tempo
e ao abrigo dos quais se justificam, por exemplo, a submissão da mulher, a perseguição a cristãos e o
assassinato de dissidentes em países islâmicos .
Como exemplo concreto da "modernidade" da Sharia transcrevo apenas :
" Uma mulher considerada adúltera deve ser enterrada até ao pescoço ( ou às axilas ) e apedrejada até
à morte ."
É pensando em tudo isto e ponderando a lufada de ar fresco que o Papa Francisco trouxe à ritualista
e sonolenta Igreja Católica que, em alternativa ao impeachment de Allah, eu preferiria o surgimento
de um "Ayatollah Francisco", capaz de regenerar uma religião atolada de fanatismo e parada no tempo .
A crise do actual regime democrático em Portugal é profunda e está bem à vista de todos .
E sendo profunda justifica e impõe a busca de uma solução que abarque múltiplas vertentes .
Há algumas vozes que se limitam a propor a redução do número de deputados dos actuais
230 para 180, como se essa fosse a panaceia milagrosa para todos os males que fragilizam
o nosso regime democrático .
Estão profundamente enganadas !
A primeira e essencial questão reside no MONOPÓLIO que os partidos políticos estabeleceram
em seu exclusivo benefício .
Reconhecemos que não existe uma democracia plena sem a existência de partidos políticos.
Mas em contraponto a essa verdade existe uma outra de não menor valor : a de que os partidos
políticos, numa democracia plena, NÃO A ESGOTAM !
Há que assegurar e garantir outras formas de participação dos cidadãos na vida política . Ou seja :
há que alargar às eleições para a assembleia da república os mecanismos de participação já em
vigor nas eleições para as autarquias locais .
Esse objectivo exige e impõe uma profundíssima revisão da actual legislação eleitoral .
É certo que nela também terá que ser incluída uma significativa redução do número de deputados,
algo que os pequenos partidos ( mas não só eles ... ) recusam desde sempre, pois a situação
actual garante-lhes a fidelidade acéfala que tanto nos choca no funcionamento do areópago .
Mas o ponto crucial é outro - a criação de círculos uninominais ( embora equilibrada com a existência
de um círculo nacional que possa garantir representatividade aos pequenos partidos, condicionada
embora a uma percentagem mínima de votos a nível nacional - 4 ou 5% ), tornando mais viável a
apresentação de candidaturas fora das "camisas de forças" partidárias e garantindo aos cidadãos
eleitores facilidade no escrutinar do desempenho dos cargos pelos eleitos .
É uma revisão legislativa que o desmoronar progressivo do nosso regime democrático impõe que
seja concretizada sem mais delongas .
A podridão actual exige medidas profilácticas urgentes .
Salvemos a democracia, antes que seja demasiado tarde !
O regime autoritário derrubado em 25 de Abril de 1974 tinha como instrumento essencial de
controlo e repressão a P.I.D.E. ( Polícia Internacional e de Defesa do Estado ), "baptizada" em
1969 de D.G.S. ( Direcção-Geral de Segurança ).
Essa entidade de má memória colhia dados pormenorizados dos indivíduos que considerava
desafectos ao regime, vasculhando à exaustão a sua vida profissional e pessoal .
Para além dessa vertente a repressiva era ainda mais sórdida, consistindo não poucas vezes
em prisões arbitrárias e em tortura .
Esperava-se que com a instauração de uma democracia que se augurava plena todas essas
áreas e intervenção fossem total e definitivamente banidas .
É um facto que na sua vertente mais sórdida a P.I.D.E. parece erradicada .
Mas já não é possível dizer o mesmo quanto à sua área de intervenção no controlo da vivência
dos cidadãos, sendo cada vez em maior número os casos em que se esmiuça ao pormenor a
vida pessoal e profissional das pessoas .
É um vasculhar fétido, quiçá orgásmico, causador de prazer em especial a certa esquerda que se
arroga de impoluta .
Ressurge assim uma "Nova Meia P.I.D.E." e só desejamos que eventuais saudosistas de antigos
Gulags não pretendam reinstaurá-los ...