As recentes declarações de José Eduardo dos Santos considerando inviável a manutenção de
uma parceria estratégica com Portugal provocaram enormes ondas de choque no nosso país,
sendo muitas as vozes preocupadas que antecipam um cenário de crise - empresas nacionais
sofrendo problemas em Angola, muitos milhares de portugueses que aí vivem e trabalham a
serem expulsos, exportações para esse país em queda livre, etc., etc.
Só que há quem assim não pense .
O meu amigo Filipe, por exemplo, que é um optimista militante ( tão optimista, tão optimista
que ainda continua a acreditar que o Sport Lisboa e Benfica será campeão nacional de futebol
na época 2013-2014 ... ), acha que as declarações do Presidente da RPA são mero " fogo de
vista " e visam apenas que no futuro próximo as percentagens oferecidas a Isabel dos Santos
e a altas figuras do Estado de Angola quando da criação de novas empresas no país possam
ver alterados os valores que são habituais para outros ainda mais altos .
O futuro dirá se o meu amigo Filipe tem ou não razão nessa previsão .
Manuel Medeiros, o Livreiro Velho, o Resendes Ventura do "Papel a Mais" e de outros livros
deixou-nos fisicamente .
Só que o seu legado ímpar na defesa do livro, no incentivo à leitura e na paixão pela difícil
mas indispensável actividade livreira terá seguimento garantido através da Fátima e dos
filhos .
Conheci-o quase há quarenta anos e desde então mantivemos uma ligação intensa e amiga .
Ao Manuel Medeiros devo o incentivo e a ajuda para a minha primeira incursão no mundo
dos autores publicados .
Esse incentivo manteve-se quando "reincidi" e o acompanhamento, amigo e caloroso, nunca
me faltou .
Desta vez a partida do Manuel Medeiros - ao contrário da anunciada em 20 de Junho de 1996
- é, infelizmente, verdadeira .
Em "Dedicação", do livro "Papel a Mais" escreveu Resendes Ventura :
"Papel a Mais" dedico-o a quem me estima .Sei muito bem quem é e ao mesmo tempo estou
em que o não sei nem nunca saberei . Acho que não sou temerário ao supor que a vida, já
agora, não me dará tempo para perder a crença no amor fraternal, que, mesmo que em
corrente oculta, passa entre nós com verdade e força ."
Manuel Medeiros era um multifacetado - além das reflexões profundas e de um sentido critico
forte mas jamais agreste, desenhos de qualidade e versos que apetece reler .
Recordo o poema "Herança" do livro "Mãe d' Alma" :
" O tempo de vencer e ser vencido
o tempo inútil
acabará No resto semeei
olhos de espera
para o sossego tépido da tarde
em frente ao mar das ilhas " .
Foi grande a sementeira deixada pelo Manuel na sua profícua jornada .
Por esta altura já ele deve estar a integrar-se na tertúlia que o Fernando Guerreiro rapidamente
terá criado .
Com este a declamar, com a mestria de sempre, os versos do recém-chegado .
Até ao depois, saudoso e recordado Manuel Medeiros !
Assisti recentemente a uma "guerra" verbal entre João César das Neves e Daniel Oliveira a
propósito das "bondades" e das "maldades" do regime autoritário e do pós 25 de Abril .
Se é certo que JCN terá exagerado na defesa sem limites do Estado Novo, pior fez DO,
eivado de sectarismo no ataque cego ao "antes" e nas loas ainda mais cegas ao "depois" .
Como em tudo na vida os extremismos nunca descrevem com justeza a realidade, seja ela
qual for .
Por minha parte resumo esses dois períodos da nossa história recente do seguinte modo :
* no regime autoritário - uma vida pobre, sempre a melhorar ;
* no pós 25 de Abril da última dezena de anos - uma vida remediada, sempre a piorar .
Agora DO que me desminta, se for capaz !
Foi chocante ouvir há poucos dias João Cravinho a alinhar argumentos ( débeis ) no sentido de,
antes do tempo previsto, devolver ao povo a escolha do próximo Governo .
A posição é conhecida - quando o rosa está no poder as legislaturas devem ser levadas até ao
fim ; já se o laranja e/ou o azul presidirem aos destinos do país, perdem legitimidade e deve ser
antecipada a consulta nas urnas .
Escutamos algo similar anos atrás ao "inefável" Mário Soares : a maioria absoluta conquistada
pelos adversários políticos é perigosíssima para a democracia ; ao invés, se essa maioria absoluta
é dos correlegionários, revela-se essencial para que seja possível executar sem condicionalismos
o programa que foi sufragado nas urnas .
Pudor, ainda que em pequenas doses, seria bem-vindo .
O regime autoritário ao qual foi posto termo em 25 de Abril de 1974 tinha, em várias matérias,
o pudor que falta aos novos dirigentes .
Com efeito, jamais colocou em prática o velho brocardo de que " a caridade bem entendida
começa por nós próprios " .
Já os " novos democratas " não demoraram a legislar em proveito próprio . E assim, entre
muitas outras benesses, criaram o direito a uma subvenção vitalícia apenas com oito anos
de exercício de funções políticas ( período esse mais tarde, se bem que a contragosto, alargado
para uns "imensos" doze anos ) .
Recentemente começaram a surgir vozes defendndo cortes nos montantes dessas subvenções
vitalícias, com sugestões variando entre os 15 e os 50% .
Em meu entender uma visão desse tipo continua a não atacar de forma correcta o cerne da
questão - nada justifica a existência desse regime privilegiado criado pelos políticos em seu
exclusivo benefício .
As subvenções vitalícias devem, pura e simplesmente, ser extintas e o tempo de exercício de
funções que a elas deu origem ser considerado, tal como qualquer outro com descontos, para
cálculo da reforma ou da aposentação em termos idênticos aos dos restantes beneficiários .
E, mesmo que seja feito isso, os políticos ficarão ainda injustamente beneficiados, uma vez que
o mesmo tempo acaba por ser contado duas vezes .
Confesso que não esperava que viesse a ser um momento de grande interesse .
Mas confesso também que acabou por ser ainda mais insosso do que eu temia .
As perguntas foram, na sua esmagadora maioria, desinteressantes e superficiais -
os intervenientes nunca extravasaram das suas "quintinhas", colocando questões
do seu limitado interesse pessoal, jamais alargando horizontes para matérias de
interesse para o país ( era o IVA na restauração, a falta de professores e outras
minudências ) .
Com uma rara e honrosa excepção : a pergunta sobre se o 1º Ministro, atenta a
elevadíssima abstenção nas recentes eleições autárquicas, o número significativo
de votos brancos e nulos e a clara subida dos independentes nos locais onde
concorreram - provas provadas do declínio dos partidos e do divórcio dos eleitores
em relação a eles - admitia vir a propor a alteração da legislação eleitoral para a
Assembleia da República, acabando com o monopólio dos partidos ao permitir a
candidatura de independentes .
Finalmente uma questão com relevante interesse nacional !
A resposta do 1º Ministro - talvez ainda mais na qualidade de Presidente do PSD
... - fechou sem sofismas a porta a uma alteração nessa matéria .
O PSD - e dos restantes partidos não é de esperar resposta diferente ! - defende
a sua "coutada", fingindo não ver como os cidadãos eleitores progressivamente
se estão distanciando dos partidos .
É uma posição que lamento mas que em nada me espanta ( já a esperava, como
fiz constar do meu blogue em 3 do corrente ) : depois do inequívoco cartão amarelo
aos partidos nas eleições autárquicas ( enorme abstenção, subida muito significativa
dos votos brancos e nulos, grande sucesso dos movimentos independentes ) tocou
a rebate nos partidos, mais uma vez ficando subordinado o interesse nacional aos
interesses partidários .
Vai continuar a esboroar-se a democracia, o que está longe de preocupar os detentores
- actuais ou potenciais - do poder, mesmo que o apoio lhes surja de minorias ... cada
vez mais minoritárias ...
As eleições autárquicas realizadas no último domingo de Setembro justificam algumas reflexões :
1ª - a vitória do PS é nítida no que respeita ao número de autarquias que alcançou . Mas os votos
expressos ficaram bem abaixo do pretendido para poder assumir-se como uma alternativa real no
plano nacional ao actual Governo de coligação .
Ou seja : António José Seguro ... segurou-se como líder do partido, mas ainda tem muita "pedra
para partir" antes de surgir com credibilidade nacional como candidato a 1º Ministro ;
2ª - o PSD teve uma derrota profundíssima, derrota resultante de um conjunto de factores :
a) a erosão de um poder que, atenta a "pesada herança" recebida e as erradas prioridades com
frequência assumidas no combate à crise, tinha necessariamente de ser penalizado ;
b) uma campanha conduzida de forma a raiar o péssimo ;
c) algumas escolhas verdadeiramente suicidárias ;
3ª - a CDU foi um dos vencedores da eleição, não apenas recuperando das perdas sofridas em
2009 face aos resultados de 2005 mas melhorando até a performance de há oito anos atrás ;
4ª - o dr. Paulo Portas "embandeirou em arco" com os resultados do CDS-PP, considerando-os
maravilhosos .
Houve, de modo incontroverso, uma melhoria nos resultados do partido, mas muito longe de o
converter numa força política relevante .
Usando uma imagem que utiliza meios de transporte dir-se-á que o CDS-PP era um RICKSHAW
e passou a ser um SUV ... ;
5ª - o BE, embora tenha tentado desviar as atenções dos seus péssimos resultados - mas as
fisionomias dos responsáveis não conseguiam esconder o insucesso -, foi o segundo maior punido
nas eleições : perdeu a única autarquia a que presidia, não conseguiu eleger qualquer vereador
em Lisboa e no Porto e teve uma percentagem baixíssima a nível nacional .
Aliás, se a legislação eleitoral para a Assembleia da República fosse semelhante à de alguns países
europeus evoluidos ( como, por exemplo, a Alemanha ) poderia eventualmente vir a acontecer ao
BE, em próximas eleições legislativas, ficar sem representação parlamentar .
Este retrocesso da "esquerda caviar", contudo, era mais do que previsível : a época actual é de
crise e o caviar é bastante caro ... ;
6ª - por fim ( the last but not the least ) uma palavra em relação às relevantes vitórias de independentes
- embora haja que reconhecer existirem uns mais independentes do que outros ... - que devem ter
preocupado ( e muito ! ) os partidos políticos .
Partidos provavelmente arrependidos das alterações que introduziram na legislação autárquica ,
permitindo candidaturas de cidadãos e movimentos independentes .
E, perante o acontecido, devem ter colocado "trancas na porta", sendo agora muito mais improvável que
venham a permitir a criação de círculos uninominais e candidaturas independentes nas eleições
legislativas .
Ou seja : perspectiva-se ( o que é uma pena ! ) a manutenção do monopólio dos partidos nas eleições
para a Assembleia da República, com o aprofundamento do divórcio da população e o aumento
progressivo da abstenção .