Governo e Tribunal Constitucional - o jogo do gato e do rato
O recente acórdão do Tribunal Constitucional sobre a convergência de pensões tem sido
amplamente comentado .
Henrique Monteiro manifestou a sua incapacidade de entendimento quanto ao princípio
da protecção da confiança que o TC considerou decorrente dos princípios do Estado de
direito democrático consagrado no artº 2º da Constituição - foi ler o artigo e não encontrou
lá o tal princípio da protecção da confiança .
Vital Moreira afirmou, sem sofismas, que o princípio da protecção da confiança " não tem
paralelo na jurisprudência constitucional comparada " e que as prestações públicas - que
são pagas pelos impostos de todos -, ao serem consideradas intocáveis, tornam-se uma
" manifesta desigualdade " . E, antevendo o que naturalmente se seguirá, adiantou que
" em matéria de carga fiscal não há protecção da confiança " .
Já João Vieira Pereira escreveu que " com esta Constituição já ficou provado que é impossível
cortar despesa e é fácil aumentar impostos " .
Luis Marques, por seu turno, alargou a análise à generalidade dos tribunais, considerando
ser neles que a batalha política se trava hoje em dia, tendo a esquerda descoberto um
inesperado filão : a paralização da acção governativa através do recurso aos juízes .
Por seu turno José António Saraiva, de modo contundentemente claro, opina que o TC
delibera no século XXI com os quadros mentais do século XIX .
Só que, no meu entender, a postura do TC não resulta de qualquer desfazamento temporal
- trata-se sim de uma defesa indirecta de um óbvio interesse próprio : a existência, em favor
dos seus membros, de um regime de pensões escandaloso, que não apresenta similitude
com nenhum outro em Portugal .
E dai o ataque à " medida avulsa, ad hoc, que se concretiza numa simples ablação abrupta
do montante das pensões ", " uma medida que não visa apreender o sistema de protecção
social na sua globalidade, perspectivando-o apenas de forma unilateral através da preocupação
de corte imediato nas pensões atribuidas pela CGA " .
Acrescentou ainda o TC que uma qualquer " solução justa " teria que ser aplicada " de forma
gradual e diferida no tempo ", tendo que ser " uma solução sistémica, estrutural, destinada
efectivamente a atingir a sustentabilidade do sistema público de pensões, igualdade proporcional
e solidariedade entre gerações " .
Com este acórdão o TC afastou o risco, teórico mas potencial, de um eventual " apetite " do
Governo visando anular ( ou, pelo menos, reduzir ) o escandaloso regime de aposentação de
que os juizes do TC beneficiam, uma vez que considerou só ser admissível, no plano da
constitucionalidade, uma solução global e abrangente .
Como uma reforma dessa natureza não se prepara em poucos meses, os juizes do TC respiram .
Só que, ao produzirem o acórdão que congeminaram, ganharam em causa própria mas não
isentam os trabalhadores da função pública e os aposentados e reformados de sofrerem cortes .
É, mais uma vez, o jogo do gato e do rato entre o Governo eo TC - como Vital Moreira lucidamente
referiu " em matéria de carga fiscal não há protecção da confiança " .
Daí já ter sido anunciado o alargamento da base de incidência da contribuição extraordinária de
solidariedade ( CES ) dos aposentados e pensionistas, bem como o aumento das contribuições
para a ADSE .
Só que isso deve preocupar muito menos os juizes do TC do que a defesa dos seus escandalosos
privilégios .